Resumo
Actualmente, as práticas da imagem vivem numa enorme tensão entre duas tendências opostas. Deparamo-nos, por um lado, com o gigantesco projecto da imagem digital, com a sua redução da experiência visual a um código abstracto de 0's e 1's, baseada na crença de que a visualidade pode ser reconduzível a puras propriedades, ou representações mentais e, de outro, com uma procura fenomenológica da percepção, que integra a experiência do ver na experiência mais lata do sentir e da percepção hápticos, com base na ideia de que o corpo e a experiência concreta são factores inalienáveis de atribuição de sentido. Neste cenário, a tecnologia desempenha papeis dúbios e extremamente complexos.
A tecnologia foi, desde sempre, uma aliada privilegiada do projecto de racionalização e abstracção do universo visual, mas integra também possibilidades de agenciamento sensorial que surgem como contrapeso à tendência puramente uniformizante e ordenadora, como lhe chama Heidegger, da linguagem científica.
Heidegger descobre poderes regeneradores na tecnologia moderna que, como ponto culminar da metafísica, aponta, paradoxalmente já para algo de novo, Ernst Jünger vê forças titânicas por detrás do agenciamento tecnológico da cultura e, simultaneamente, um movimento de fusão entre o espírito e a matéria que pode ser uma ameaça ao livre-arbítrio humano. Walter Benjamin defende a capacidade libertadora da integração do choque moral e sensorial levado a cabo pelo agenciamento tecnológico da imagem e da percepção como construção de sentido livredas fantasmagorias associadas à arte aurática. Marshall McLuhan argumenta que o estado de hipnose instituído pelo simulacro tecnológico exige uma reconsciencialização sensorial que equilibrará as tendências fantasmagóricas da técnica e uma profunda inversão dos rácios perceptivos modernos, em que o olho é o aliado incontestável do projecto de racionalização da percepção.
Todas estas questões encontram eco nos discursos filosóficos contemporâneos e também nas práticas mais actuais da imagem, como os discursos mediáticos e os discursos artísticos. Mas são igualmente profundamente reflectidas e desenvolvidas ao longo de todo o período moderno em que, mais especificamente, a hegemonização da visão face aos demais sentidos e a tentativa de cientifização e matematização do espaço visual conhecem enormes resistências. Os limites do conhecimento racional e do projecto de cientifização da experiência, são também o ponto de partida para formas de percepção que extravasam a hegemonia do olhar e que evocam outras formas de conhecimento e de experiência.
No início do III milénio, o corpo é o centro para onde confluem os mais espantosos prodígios do agenciamento tecnológico da percepção, mas é também o lugar privilegiado das maiores problematizações em torno da ideia de simulacro. Esse processo acontece na imagem tecnológica do ecrã mediático e está na base da crescente importância que o corpo vem ganhando nos discursos artísticos do cinema, arte vídeo e artes visuais contemporâneas, e que encontram profundas continuidades com os novos media: internet, realidade virtual, multimédia, instalações, fotografia, cinema, vídeo digitais. Procura-se, nesta tese, questionar se eles serão uma continuidade do projecto científico moderno de redução total da experiência a lógicas abstracizantes e uniformizantes ou, pelo contrário, anunciam uma reconsciencialização sensitiva com o questionamento das fantasmagorias associadas, não só à arte aurática, mas também ao ocularcêntrismo racionalista moderno.
Abstract
Currently, image-based practices exist within an enormous tension between two opposing trends. On the one hand, we find the gigantic undertaking of the digital image, with its reduction of the visual experience to an abstract code of 0s and 1s based on the belief that visuality can be redirected to pure elements or mental representations. On the other hand, we finda a phenomenological search for perception, whici incorporates the experience of seeing into the broader experience of feeling and haptic perception based on the idea that the body and concrete experience are inalienable factors in the attribution of sense. In this scenario, technology plays dubious and extremely complex roles. Technologya has always been a privileged ally in the rationalisation and abstraction of the visual universe. However, it also incorporates possibilities of sensorial agency that appear as a conterbalance to the purely standardising and ordering tendency, as Heidegger described it, of scientific language.
Heidegger discovered regenerative powers in the modern technology which, as a culminating point of methaphysics, paradoxically signals something new. Ernest Jünger saw titanic forces behind the technologycal agency of culture and, at the same time, a fusion betwee spirit and matter that could pose a threat to human free will. Walter Benjamin defended the liberating capacity of the integration of moral and sensorial shock brought about by the technological agency of image and perception as a construct of sense, free of the phantasmagorias associated with auratic art. Marshall McLuhan argues that the state of hypnosis induced by the technological simulacrum demands a renewed sensorial awareness that will balance the phantasmagorical tendencies of techique and a profound reversal of the modern sense ratios in which the eye is the unquestionable ally in the rationalisation of perception.
All these issues resonate in modern philosophical discourse as well as the in most current image-based practices such as mediatic and artistic discourse. However, they have been equally reflected and develped throughout the modern era in which, more precisely, the hegemonic process on vision over the other senses and the attempt to apply science and mathematics to visual space have encountered enormous resistance. The limits of rational knowledge and the application of science to experience also constitute a point of departure for perceptual forms that overflow from the hegemony of the gaze and evoke other forms of knowledge and experience.
At the star of the third millenium, the body is the centre toward which the most frightening marvels of technological agency converge. However, it is also the privileged site of the greatest debates on the idea of simulacrum. That process takes place within the technological image of the mediatic screen and is based on the growing importance of the body in the artistic discourse of cinema, video art and contemporary visual arts which find profound continuity in the new media: internet, virtual reality, multimedia, installations, photography, cinema and digital video. This thesis seeks to question whether these media will serve as a continuation of the modern scientific project in which experience is completely reduced to abstract and uniform logics or, on the contrary, wheter they annouce a renewed sensory awareness about the questioning of phantasmagorias associated not only with auratic art, but aldo with modern rationalist ocularcentrism.